sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Águas que curam

  A crença no milagre através da fé construída pela oralidade

Por Lorena Morais e Josiane Nascimento
 
A fé cura, garatem o fiéis. Foto: Marília Marques
   Dona Marta tinha várias enfermidades e sofreu um acidente com a foice na roça em que trabalhava. Devido a isso, sentia muitas dores nas pernas e pedia a seu vizinho, o menino Renato, para pegar água da fonte da Ladeira de Santa Bárbara, na cidade de São Félix. Dona Marta acreditava que ao banhar o local com a água oriunda da fonte, a dor iria passar.
   Essa crença é alimentada há mais de 40 anos e faz referência a Santa Bárbara - protetora dos raios e trovões. Existem várias histórias orais que contam como tudo começou.  As pessoas contam o que acreditam e cada um diz aquilo que sabe ou acrescenta mais um pouco. É o fascínio da narrativa oral. Não existem verdades absolutas.
   O que se sabe é que nessa ladeira havia um minadouro, local onde as pessoas tomavam banho e recolhiam água. Tinha muita sujeira,  por isso o pessoal da então administração do município resolveu capinar o local.

Como tudo começou

   Raul França, 60 anos, católico e que reside na cidade há 50 anos, conta sua versão da história. Diz ele que um funcionário da prefeitura, ao receber autorização para cortar uma arvore, subiu ao local, mas de repente ouviu uma voz que dizia para não cortá-la. Por insistência, subiu e, ao golpear a árvore, ela sangrou. Ao tentar outro golpe, ele foi arremessado ao chão. Um padre foi chamado ao local e constatou um milagre de Santa Bárbara.
    Outros contam que uma mulher, devota à santa, tinha uma filha com um problema de visão e fez um pedido  de cura, logo após banhando o rosto da menina. Depois desse fato a menina passou a enxergar novamente e a mulher foi disseminando o milagre que ali aconteceu.
    Independente das histórias serem verídicas ou não, é de fato relevante a fé que as pessoas têm na santa. Nos meses próximos a dezembro, muitos fiéis vão até a Ladeira do Milagre - como ficou conhecida  - trazer seus presentes pela benção alcançada. Devido à peregrinação, em 1972 foi construído um monumento, uma gruta, em reverência à santa, onde fica a imagem e a água santificada. Em 1988 foi inaugurada a igreja de Santa Bárbara, onde acontecem as suas festividades, no mês de dezembro. 
A gruta construída pela administração municipal abriga a imagem da santa. Foto: Marília Marques  

    A festa esse ano começa a partir de 21 de novembro e vai até o dia 5 de dezembro. Quatro é o dia oficial da santa. Romeiros vão pagar suas promessas, oriundos principalmente da zona rural de Feira de Santana. São esperados para esse ano cerca de 18 ônibus. Os festejos têm uma programação religiosa, com os ternos e missas, mas também a parte profana, com a lavagem e apresentação de sambas-de-roda. É uma festa que também atrai o povo de santo do candomblé, que vem trazer suas oferendas e reverenciar Iansã.

Milagres

    Maria de Lourdes, 66, mora na ladeira a mais de 20 anos e afirma que as águas curaram um tumor de seu filho, que na época tinha seis anos. Hoje ele está com 34 e livrou-se de uma cirurgia na época graças a fé da sua mãe.
    Raul conta que sabe de muitas bênçãos e milagres alcançados. Como o caso de uma criança que engoliu duas agulhas, que já tinham perfurado algumas parte internas do organismo. A  mãe a levou à fonte para beber da água e a criança expeliu as duas agulhas. Cura de câncer, enxaqueca, conquista de bens, vários pedidos e promessas que faz da fé uma forte arma para a cura de enfermidades.
    Raul França é devoto da santa e ajuda a cuidar da limpeza e manutenção da gruta. Tem na fé à santa dos raios e trovões o caminho para trilhar sua vida naquilo que ele acredita.“Tem muita gente que não acredita. O milagre acontece, muitas bênçãos ela faz. A fé cura”, garante.


Imagem de Santa Bárbara. Foto: Marília Marques
Santa Bárbara dos raios e trovões

Santa Bárbara é considerada protetora dos raios e trovões. É uma santa para a igreja católica e conhecida como Iansã no candomblé. Sofreu um martírio provocado pelo próprio pai, conforme a lenda que a descreve como uma jovem bela e cristã. Seu pai, Dióscoro, era pagão e ciumento. Ele desejava resguardar a filha e, para isso construiu uma torre, onde a deixaria aprisionada. Ao saber que Bárbara se tornara cristã, a condenou a sérios maus tratos físicos. Diante à sua grande fé, ela foi curada e, não satisfeito, Dióscoro pediu à justiça que ela fosse morta e que ele mesmo executasse a sentença. Assim que Barbara morreu, o céu escureceu e seu pai sentiu uma forte angústia, enquanto um raio fulminante o atingia no peito. A partir desse acontecimento, é atribuída a Bárbara a condição de santa padroeira de todos que trabalham com fogo.

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